segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Dia-a-dia do Médico Veterinário

Eu compreendo a importância da avaliação da consistênica das fezes na detecção de doenças. Não sei como é em Medicina Humana, mas as descrições que temos na nossa bibliografia são preciosamente deliciosas. Tomemos o exemplo da avaliação da consistênica das fezes de bovino, que temos de saber tão bem para o exame de Produção Animal:


1. Fezes aquosas e não reconhecidas como tal. Normalmente sinal de doença.
2. Fezes assemelham-se a pudim líquido. Quando expelidas espalham-se muito no solo.
3. Fezes assemelham-se a pudim espesso. Quando expelidas formam bolo fecal com cerca 2 cm espessura. A pressão com uma bota não deixa perfil e não é sentida sucção ao retirar. Ideal.
4. Fezes mais duras. Bolo fecal circunscrito, espalha-se pouco. É sentida sucção quando se retira bota e deixa perfil marcado. Som de chapa quando atingem o solo.
5. Fezes duras formando bolas. Pressão da bota deixa perfil marcado.

Qualquer um fica com fome depois de tal descrição. Um especial desejo por pudim, talvez?
Note-se bem que é necessária a avaliação sonora das fezes, o que pode implicar algum grau de perseguição, como um aficcionado, da nossa parte. Não está aqui descrito, mas o cheiro pode ser indicativo de uma panóplia de patologias. Felizmente ainda não inventaram um método que utilize o orgão dos sentidos que sobra. Acho especial piada a ter de realizar o Teste da Bota, aquele que evitamos concretizar todos os dias.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Neverending story

O drama, a tragédia, o desespero, o horror... é estudar Medicina. Apenas três temas: aparelho urinário, aparelho cardiovascular e hematologia; 26 horas de aulas, 52 horas a passar os apontamentos confusos das aulas para os slides pouco informativos fornecidos pelos docentes; 156 horas interpretando os hieróglifos das sebentas na tentativa de compreender a fisiopatologia e os mecanismos que levam à doença. É assim que se estuda Medicina. Mas não é assim que se passa no exame.

Toda a gente sabe que para passar a esta gloriosa disciplina não é preciso perceber, compreender, interiorizar, explicar, relacionar. Baseado em listas anteriormente contruídas por alunos mais velhos e acrescentadas (sempre acrescentadas) de alguma informação desinteressante mas essencial para passar, o estudo acenta em decorar as intermináveis listas.
Decorar para mim é uma tarefa difícil dada a fraca capacidade que tenho de armazernar informação. Desconfio que o meu cérebro é mais pequeno que o normal. Cheguei a esta conclusão depois de imitar uns gadalhudos roqueiros que vi a abanar o capacete. Ao fim de duas voltas com a cabeça (tal Eica Toppinen) fiquei incrivelmente tonta, confusa, baralhada e enjoada durante um período de tempo que me pareceu longo mas que não posso precisar. Como é que eles conseguem? Só tenho duas explicações: ou eles estão tão drogados que não lhes faz diferença rodar incessantemente a cabeça ou meu cérebro, por ser pequenito, chocalha contra as paredes do crâneo quando dou voltas à tola. Assim explico a imensa dificuldade que tenho em estudar Medicina: cérebro reduzido e ainda por cima essencialmente direccionado para funções abstractas e pouco práticas como a imaginação e viagens temporo-espaciais num mundo pessoal.

Como sempre, e com boa vontade, inicio o meu estudo lendo o material fornecido pelos professores. Aparelho urinário: demorado, cansativo, compreensível; o material de estudo são os slides das aulas e artigos que a professora se orgulha de ter escrito há dez anos. Nunca mais acaba de matéria e já não posso mais ouvir falar em xixi. Recuso-me a ir à casa de banho só para não pensar nos processos de filtração, excreção e reabsorção renais que me perseguem. Aparelho cardiovascular: só há slides das aulas; não tenho apontamentos porque não fui às aulas. Passo à frente - já não estou muito bem disposta e sinto um desejo crescente de cometer um crime violento. Hematologia: relembro porque desisti de ir a essas aulas. Os apontamentos podiam estar noutra língua que era igual para mim. Ainda hoje tenho dúvidas se a lista de fármacos do slide nº 7 corresponde à terapia ou se são as drogas que não devemos usar. Nesta fase o desespero instala-se e a incredulidade da situação associada a uma sensação de experiência extra-corporal leva-me a dizer coisas feias, palavrões, momentos de pura loucura com gargalhadas dementes.

Medicina. É perigoso estudar sozinho. Nunca estudar Medicina sozinho... a taxa de suicídio é assustadoramente elevada (não me atrevo a dizer) e a percentagem de alunos que são internados em asilos psiquiátricos ronda os 86.3%. Estudo numa biblioteca com as minhas companheiras nesta demanda, nesta epopeia, nesta cruzada... Não é por estarmos descabeladas na biblioteca da Faculdade de Letras que nos acanhamos de exteriorizar a nossa indignação:
- Que merd@ é esta? - grita face a um conjunto de slides idiotas sem texto, apenas bolinhas e estrelinhas. - Mas deu-lhe para a veia artística?
Tendo em conta que esta minha amiga, Susy de nome, passa à frente qualquer coisa que se assemelhe a figuras, esquemas, algoritmos e quadros, não me admirei que explodisse de raiva face aos ditos slides. Eu pessoalmente perdi tempo a pintar bolinhas de vermelho, estrelinhas de amarelo, formas não-identificadas de azul...
- Ele precisava era de uma visita aos colonócitos!
Eu e a Chiquilin rimos; sabemos que é verdade. Mas choramos... o desespero é muito... a biblioteca vai fechar daqui a duas horas e nós continuamos sem perceber o essencial da hematologia.
Deparamo-nos com duas doenças, parecidas apesar de distintas, numa sebenta com média de 5 palavras por slide. O slides, cujos títulos eram ora A.H.I.M. ora A.H.A.I., alternavam entre as duas doenças sem sequência lógica. Inicialmente pensei que os slides ímpares correspondessem a uma doença e os pares à outra; afinal não. Apliquei a sequência de Fibonacci, mas também não era essa a chave.
A Susy nem se apercebeu deste facto, o que contribuiu para que ficasse mais descabelada, vermelha, olhos cada vez mais assassinos...
- Sabes Susy... - disse timidamente - estão aí duas doenças... é por isso que pintámos os slides de uma doença de cor-de-rosa e os outros de laranja...
Ela chorou um bocadinho e depois pôs-se a pintar...
- Parece que estou na primária e não percebo nada... O problema dele é que não tem filhos!... Sucker... - deprimimos mais um bocadinho juntas. - Tentativa número 4. - recompôs-se, dando-nos um bocadinho de esperança de que o final do túnel tivesse uma abertura e que a razão pela qual não viamos nenhuma luz não era porque o túnel era interminável...

Numa tentativa de compreender os slides começamos a ler artigos escritos também pelo professor. Ficámos na dúvida se estavam escritos em português; conseguimos identificar algumas palavras mas a maioria parecia estar numa língua ainda não oficial, provavelmente apenas acessível a uma elite da qual nunca faremos parte. Desejámos ter uma estenose sub-aórtica e sofrer uma morte súbita sem sinais premonitórios.

- Pá, isto só pode ser a gozar! - dizíamos constantemente. Eu começo a desconfiar que estamos num reallity-show japonês e que as pessoas se estão a rir à força toda com o nosso sofrimento.

Lendo esta prova de verdadeira demência continuo lunáticamente convencida de que o leitor não compreende o sofrimento atroz de um estudante de Medicina Veterinária. Mas eu tenho provas: há quem fique inclusivamente com insuficiência renal crónica a estudar esta cadeira. A minha amiga Chiquilin... coitada já apresentava sinais típicos desta doença potencialmente fatal: anorexia, perda de peso, depressão, letargia, hipotermia culminando em encefalopatia.

Ao Curso de Medicina Veterinária dedico o seguinte, inpirado num grande artista do século XX:

Turn the page
And look for what you seak

In the text
The explanation of your dreams

They made believe
It's there somewhere
Hidden in the lines

Nowhere in the pages
Is the answer to this
Neverending story

A própria Susy tem um peluche do Falkor - uma premonição dos pais de que ela seria protagonista de uma História Interminável. O Falkor disse uma vez a Atreyu, o rapaz guerreiro: "Nunca desistas e a boa sorte encontrar-te-á." Quando a Susy descobriu isto destruiu brutalmente o boneco.
Esperamos pelas notas do exame...

sábado, 19 de janeiro de 2008

Poeiras

Há determinados lugarejos com demasiadas P.E.s por metro quadrado.
Há demasiadas P.E.s!
Encontro uma Pessoa Estranha.
Viajo no metro, penso: "Este homem é duro e frio; e...é forte."
Um arrepio e desviei o olhar. Cinco minutos de intensa e dedicada contemplação do Estranho para mim.Aproxima-se:
"Desculpe, você tem poeira nas calças".
"Obrigado".
"Tire!"
Sacudo a poeira branca da indumentária negra (hoje não é um bom dia para ser fuzilada penso, é sábado).
"Ainda tem poeira nas calças! Tire-a!"
"Não faz mal, deixe estar, obrigado..."
"É melhor [furia] tirar."
Sacudo energicamene, irritad@, cansad@, invadid@... agora que relembro, desconfio até, que se fosse necessário cuspiria nas calças...nas dele...
"Estava a incomodar-me", melhor assim...percebe?"
Claro que percebo, corria risco de vida se aquela poeira continuasse sobre o fundo negro...
Pessoa Estranha levanta-se, leva consigo a poeira, a paranoia e o perfeccionismo. Eu fico ali, sentad@, imperfeit@, revirad@ mas viv@...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Ai a minha vida!!!

"Os Médicos Veterinários não podem prescindir de três condições: independência, disponibilidade e competência."
Are you ready?

sábado, 12 de janeiro de 2008

Ossos do ofício


"Olha", disse a Susy, "o que é a metáfise?"
"É o meio do osso. Meta- de metade."
"Ahh... e isto?", perguntou apontando para a extremidade de um osso desenhado.
"É a epífise."
Setinha a indicar a epífise.
"Então e esta placa aqui entre as duas?"
"Não sei... placa de crescimento."
"Ahh...."

"Não estou a perceber nada disto", queixou-se passado dez minutos. Nem eu, pensei... ninguém percebe nada de brucelose... "Só me apetece é ganir.", continuava.
Nem eu, nem as cromas que fizeram estes apontamentos... nem o professor... nem a OIE, que escândalo! Acho que o Tiago tem brucelose. Dores de cabeça, dores na coluna, artrites. A brucelose é, na realidade, uma doença muito séria.

"Olha lá!", que agressividade... "Diz aqui que a metáfise é a placa de crescimento! Como é que se chama esta parte comprida?"
"Epífise, metáfise, paráfise!"

Um pequeno momento de silêncio.

"É diáfise!!! Tu estás a enganar-me!" e riscou furiosamente o desenho.
Eu preocupo-me com outras coisas... hoje de manhã comi um queijo fresco... não há maneira de saber se o leite foi devidamente pasteurizado... Eu e o Tiago temos os dias contados.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Café

Hoje bebi um Expresso Macchiato que tinha 24 mg de cafeína por 100 mL. Eu bebi 330 mL.

O meu coração acelerou, as minhas pupilas dilataram e apesar de o meu cérebro estar próximo de um shut down definitivo os meus olhos estavam bem abertos e eu tinha um sorriso idiota na cara. Queria rir e não me calava. Os olhares reprovadores dos outros utilizadores da biblioteca não me afectavam. Queria saltar da janela do terceiro andar e voar enquanto cantava alto e bom som "I believe I can fly...".

Acontece o mesmo ao meu professor de Composição quando come arroz de cabidela.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Eu estava a cantar Bon Jovi - "And I... will love you... baby..."
E ela disse: "Há uns que morrem e outros ficam assim."
Eu respondi: "Tu tens é Rocky Mountain Spotted Fever."
"O que tu queres sei eu".

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Casos clínicos: ideias chave

A última escrita, quer acreditem ou não, um reunir de ideias soltas mas todas elas reais…a tal esquizofrenia prometida…

Chuvinha irritante, gentinha nervosa e o mesmo autocarro…
Uma pseudo francesa carrega uma vida e um rebanho: dois pela mão, um pela trela, dois por extensão e o último ao penduro (este ultimo ainda não distingue as formas nem as almas ainda que tenha a sensibilidade exacerbada). A Própria ocupa todos os lugares reservados a pessoas Especiais (!!!) e ainda mais alguns. “Oh faxavor!” – o mítico, educado e caloroso palavreado…para o soltar, a Própria já não é possuidora do título de pseudo francesa.
O suspenso gesticula e baba-se, os palhacinhos por extensão já se perderam no meio das grávidas, das beatas, dos reformados, dos universitários e dos beges (Essa gente que se veste de bege…sempre amorfa, indefinida e imparcial, quase inócua não me provocasse choque anafilático).
Não percebo porque um deles vem pela trela, desconfio que é por ser míope ou usar aparelho (perco sempre vários minutos a observar a arquitectura dos elásticos coloridos…acho que os deviam recomendar à gente que veste de bege…” be-ge” “ ge n te”).
Dos dois que viajam pela mão, só um não carrega chapéu-de-chuva, não usa botas ortopédicas mas joga a esquecida X-box “once in a while”.
Estou desconfiada: a senhora apresenta seis descendentes (todos em concordância de género e cores, distribuídos nos bancos vermelhos pela escadinha dos dias de vida e do calendário lunar), tem as unhas exemplarmente arranjadas, o cabelo alinhado e a roupa perfeita, não tem uma ruga e não acusa cansaço…no entanto faz-se acompanhar do tal jardim zoológico e frequenta “confortavelmente” o sistema (público?) de transportes urbanos…”Não visse, não acreditasse…”.
Acabo por ir até ao fim da linha, terminal fora de rota.
A senhora…aristocrata ou certamente adepta dessas seitas “shop-soy” (plantinhas em casa e dois piriquitos)! Hilariante! No ar. Perfume genuinamente francês. Disciplina de vida encaminhada e monótona (ainda que não se vista de bege) e o reforço de que os animais, ups! as crianças são o melhor da vida.
Continuo no mesmo autocarro, alheia à rota; deliciosas bolinhas de chuva.BOLAS?!!! A octogenária da frente não tem uma reforma ao nível da Tena Lady, há estado liquido no cinzento do transporte colectivo (e a chuva não bate assim!).
Ainda não pensei hoje nos mascarados… (continuo atenta raciocinio do vizinho de baixo).
Antes de ontem o esquizofrénico fez um buraco na porta da rua, espectáculo bonito, fê-lo com as unhas, com tempo, dedicação e método (não veste bege, não olha o chão). Também ele conhece o sistema de transportes (públicos?) urbano, percorre mensalmente a lista de todas as “carreiras” disponíveis, fá-lo por ordem numérica (o sistema rede 7 complicou-lhe a obsessão) e duas vezes por dia, cada dia uma rota diferente.
Encontrei o esquizofrénico no Pavilhão Atlântico, frio e desprovido de emoções mesmo no cenário cinematográfico série B – acompanhado pela família feliz (o anfitrião um dia resenhou “Portrait of a [Portuguese] family”). Vejo do camarote vip o vibrar da tribo “mata o teu canário, afoga o teu peixe, molesta a tua irmã, decapita o teu pai” nome gentilmente atribuído pelo dono do café… e penso…”não estamos mal de todo…”

Megaesófago

As principais causas de morte devida a megaesófago (dilatação do esófago) são:
  • pneumonia por aspiração
  • eutanásia