sexta-feira, 20 de junho de 2008

Boleia

Soltaram no passado dia 18 de Junho a máquina mais mortífera jamais concebida pelo Homem, neste caso um certo homem e uma certa mulher a quem carinhosamente chamo "pais". Pois é, aconteceu - passei no exame de condução e estou legalmente autorizada a conduzir um automóvel na via pública, para grande desgosto dos peões.

Depois de passar o exame, é natural que se olhe para trás com carinho, recordando as aulas mais marcantes. Se bem que existem algumas aulas que não queremos recordar e se o fazemos, certamente não será com carinho. A pior aula de condução que tive, a 10ª, foi quando tentei descer a Rua do Conde de Redondo em hora de ponta. Pára-arranca numa rua de inclinação acentuada é complicado para uma pessoa inexperiente que só andou nas belas e seguras planícies de Chelas. Não só ia batendo várias vezes no carro da frente como fiquei parada no meio de um cruzamento com toda a gente a apitar impacientemente... Devo aqui salientar que foi o instrutor que mandou avançar... Como banda sonora tinha a pior música de todos os tempos: "Trapped in the closet" de R. Kelly... Bom, não sei se era esta música, mas são todas iguais; o que interessa é o tipo de ambiente que se gerava no carro.

Mais ou menos a meio da infidável rua já me tinha habituado à ideia do pára-arranca; na verdade estava a tornar-se aborrecido, especialmente considerando que já tinha passado metade da aula e eu ainda não tinha usado a 3ª. Para animar as coisas, o Sr. Correia, o instrutor, teve um ataque de catarro e teve de abrir a janela para cuspir uma substância semi-sólida. Ao virar a cabeça para não ser testemunha ocular deste acto asqueroso fixei o olhar no retrovisor lateral do carro da frente onde um senhor tirava um macaco do nariz (e esse dito macaco devia estar na traqueia porque o dedo estava totalmente enfiado na narina). Depois atirou o macaco pela janela com um golpe de polegar e acertou, com uma precisão treinada, no vidro da janela do carro ao lado.

- Hoje cortei o cabelo! - disse o Sr. Correia, sorrindo e mostrando os quatro dentes que lhe restavam. Acho que era suposto eu ter reparado no novo corte, mas é difícil quando uma pessoa já é quase careca.
-Já me estava a fazer comichão nas orelhas - continuou.
Se tirasse os pêlos dos ouvidos que brotam como bolas de algodão teria muito mais efeito, mas isto é a minha opinião, que decidi não partilhar com ele.

Passados 20 minutos estávamos num bairro social da Bela Vista e à porta da próxima aluna do Sr. Correia. A moça não teve qualquer problema em pedir emprestado o telemóvel do Sr Correia:
- Oh Sr. Correia, empreste-me aí o tlemeóvel, se faz favor.
- O telemóvel? Para quê?
- É que a minha filha esta a tentar ligar-me mas não tem saldo e eu também não.
- Está bem... toma lá...
Entretanto passámos pela casa de mais duas alunas e o carro ficou cheio. Não estava particularmente atenta à conversa da moça nº1 mas de repente ela começou ao berros:
- Eu mato-te! Olha que vou aí e parto-te a cara toda! O quê? O QUÊ? Ahhhhhh, vais ficar sem dentes! Seu filho da mãe! Racho-te ao meio! Ahhhhh, 'tás lixado! Eu vou matar-te!
Pois claro que no meio desta gritaria e algazarra no bandco de trás, a minha concentração dispersou-se e ia chocando com o carro da frente. A moça nº1 não estava à espera de uma travagem bruta e saiu disparada para a frente (acho que não tinha cinto de segurança). Teria batido com a cabeça na minha cadeira se a moça nº2 não tivesse reflexos rápidos e tivesse puxado a moça nº1 pelo rabo de cavalo, impedindo que ela se magoasse.
- F***-**!!!
Silêncio absoluto no carro. Afinal quem ia morrer era eu e não o interlocutor da moça nº1.
- Ai desculpe, Sr Correia! Saiu-me! - disse a moça nº1 rindo.
Algo bipolar a moça nº1... Ao menos a travagem pôs fim à conversa desconcertante que estava a por toda a gente inconfortável.
A moça nº3 saiu numa rua qualquer para ir buscar o filho à escola. O banco de trás ficou mais espaçado e a moça nº2 chegou-se pronta e aliviadamente para o lado da janela.
- Olha lá, gostas de karaoke? - perguntou a moça nº1 à moça nº2, com um tom um pouco bruto.
A moça nº2 não respondeu... o seu olhar mostrava pânico... qual era resposta certa?
- É que eu gosto. E muito! Por isso vê lá!
- Ah, sim, gosto.
- Ya, é bué de fixe!
Acho que toda a gente sentiu alívio quando a conversa acabou por ali.

- Queres ir para casa ou para a escola, Mariana? Eu já estou um pouco atrasado - disse o Sr. Correia.
Ora, não seja por isso! Eu acelero o passo!
- Quero ir para casa.
E em 7 minutos cheguei a casa com comentários preocupados:
- Mais devagar, filha! Controla a máquina, Mariana! Depressa e bem não há quem, é ou não é?
- É uma grande verdade - respondi, mas nesse momento não me interessava o bem, só me interessava o depressa.

4 comentários:

Anónimo disse...

este post então, tenho de ler às mijas, que é pa digerir, de tão bom que está. Congrats

Luísa Cê disse...

Maravillhoso. o meu exame de condução foi memorável: a examinadora era camionista, braço fora da janela e tal, e pôs o rádio tão alto que eu nem ouvia as instruções, e tão pimba que eu ia vomitando. ao rapaz que fez o exame de condução comigo tinham-lhe tirado a carta por conduzir sob o efeito de álcool. Quando acabou a examinadora-camionista disse ao dito "brilhante, como seria de esperar" e a mim "passou com favor que não fez bem a rotunda!". Não há justiça.

Anónimo disse...

tenho muito medo do meu exame de condução... é que o meu instrutor é búlgaro: Andreev!!! Sim, parece um mafioso, 50 e tal anos, pêlos no nariz e nas orelhas, óculos de sol dourados... enfim... o mais dificil é perceber o que a criatura diz... NU REVET (quer dizer não de repente... ou se voltas a fazer isso, grito umas asneiradas em búlgaro).
Temo pela minha vida nesse exame...
:D

Anónimo disse...

mm...isto lembra-me as minhas aulas..as paragens para o instrutor comer a bela da chamuça com o sumol na colectividade, a musica pimba da radio am,o folar de chaves (com courato), o examinador a mandar a boca pro instrutor:'veja la se desta vez se mantem acordado'..belos tempos